Letícia Persiles apresenta: “O Baile das Andorinhas”

Letícia Persiles apresenta: “O Baile das Andorinhas”

A artista Letícia Persiles lançou recentemente um álbum lindo, sensível e que foi inspirado na história de uma mulher que se comprometeu a ser livre. Se comprometeu a lutar por aquilo que acreditava e, com isso, mudou o rumo não apenas de sua vida, mas de outras que vieram a seguir.

É a partir da pesquisa sobre a participação das mulheres no movimento do cangaço, que surgem as ideias para a criação do segundo álbum da artista, “O Baile das Andorinhas”. O mesmo celebra a vida de Maria Bonita, a mulher que mudou as estruturas do Movimento do Cangaço. Com seu espírito de pássaro livre, ocupou junto com outras mulheres, lugares onde antes só era permitida a presença dos homens. E como uma revoada de andorinhas, as cangaceiras, a partir da chegada de Maria no movimento, ocuparam aquele céu de estrelas de couro, com suas presenças e vozes femininas.

Mais uma vez conseguindo inspiração na História misteriosa e fascinante dos sertões do nordeste brasileiro, busquei em minhas novas composições me aproximar de forma livre e sensível do universo das cangaceiras. Livre, por que as entendo não como figuras isoladas ou amarradas a um folclore local, mas como um grupo de mulheres cuja história faz parte de um contexto mundial de construção do empoderamento feminino ao longo das últimas décadas.  Sensível,  porque desejei o tempo todo me aproximar da realidade delas não somente me concentrando nos fatos históricos, mas sim também através dos meus sentidos”, pontua Letícia. 

Letícia gosta de compará-la e algumas de suas companheiras a pássaros migratórios, seres que só conseguem viver em liberdade e que estão em constante movimento, sem ter um endereço certo. Pois diz que já teve a oportunidade de olhar no fundo dos olhos de uma andorinha e imagina que todo o horizonte sem fim que enxergou ali, também poderia ser contemplado no fundo dos olhos de Maria. Por isso o álbum ganhou esse título. 

Gravado no estúdio Pavão Preto, na serra de Itaipava, durante o ano de 2019, O Baile das Andorinhas, conta com a enorme e fundamental participação de Lucas Vasconcellos (Letuce e Binário) na sua realização. O músico e produtor, com todo seu talento e sensibilidade, não só produziu o disco como também criou os arranjos e gravou a maior parte dos instrumentos.  Ele também contribuiu com duas de suas composições próprias na criação do disco.  O resultado são seis composições minhas, duas de Lucas, uma regravação de Caravana de Geraldo Azevedo e Alceu Valença e a faixa “Lídia”, que tem o nome da cangaceira que sofreu o feminicídio mais conhecido da História do Cangaço, com a narração de um trecho do livro ‘’Maria Bonita’’ de Antônio Amaury Corrêa de Araújo e com participação da artista Edzita Sigo Viva.

O Baile das Andorinhas já está disponível em todas as plataformas digitais. Escolha a sua e, se ainda não ouviu, dê play agora. E caso você queira saber um pouco mais do processo criativo, do que a Letícia e o time lindo que produziu este estrabalho pensou para compor o álbum, abaixo tem, faixa a faixa, para você se encantar ainda mais e conhecer a euipe toda deste trabalho incrívvel.

> Faixa a Faixa > O Baile das Andorinhas

Faixa 1: Trem fantasma

É o prólogo desse álbum. Entre tantas viagens de metrô, eu observava os rostos de quem ia ou vinha do trabalho, dos artistas que ali passavam seu chapéu, dos estudantes, dos malucos, dos aleijados… e a grande maioria me parecia sempre muito cansada, cansados de ir e vir a lugar nenhum, era o que me parecia. E quando eu me sentia muito sufocada com toda aquela falta de esperança, eu olhava pela janela e primeiro aparecia o meu reflexo, depois a escuridão dos túneis e depois todo um universo se revelava. Desde sinalizações, caminhos, trilhos, escadas, portas, luzes e até imagens de santos protetores. Então eu me lembrava dos olhos da andorinha que uma vez  eu tentei salvar. Tentei, porque quando uma andorinha não consegue mais voar, ela não consegue mais viver e isso não é uma metáfora. Andorinhas são aves migratórias, só se alimentam caçando, não aceitam comida em cativeiro e essa andorinha tinha uma lesão irreversível na asa. Mas enquanto eu tentava, eu pude olhar bem dentro dos olhos dela. Primeiro eu vi o reflexo da luz da janela, depois a cor negra que é natural deles e depois um universo fascinante e sem horizontes se revelava. Assim como, eu acredito que me revelariam os olhos de Maria Bonita se um dia eu  pudesse os mirar.

Musica e letra: Letícia Persiles / Arranjo: Lucas Vasconcellos / Produção: Lucas Vasconcellos / Mixagem e Masterização: Emygdio Costa / Voz: Letícia Persiles / Piano, Guitarra, sintetizador, bateria eletrônica e baixo elétrico: Lucas Vasconcellos

Faixa 2: Malhada da Caiçara 

Aqui a história começa. Maria Gomes de Oliveira nasceu em 08 de Março de 1911 em Malhada da Caiçara, distrito de Paulo Afonso BA. Nasceu na fazenda que tinha o mesmo nome,era a fazenda de seu Pai. Essa música fala da relação que temos  com o lugar onde nascemos, com nossa terra natal. Fala de como fazemos parte dessa paisagem, de como nos reconhecemos nela e quanto dela vem dentro de nós pra onde quer que a gente vá. A paisagem Natal de Maria Bonita é a do sertão Baiano dos anos 10, já a minha é do litoral do Rio de Janeiro, de décadas depois, de cidade já grande cheia de concreto e sujeira, mas ainda banhada pelo mar e enfeitada com o que restou das matas verdes.

Música e letra: Letícia Persiles / Arranjo: Lucas Vasconcellos / Produção: Lucas Vasconcellos / Mixagem e Masterização: Emygdio Costa / Voz: Letícia Persiles / Violão, drum machine, synth bass, piano elétrico e harmônio: Lucas Vasconcellos

Faixa 3: Pedra papel e tesoura

Pedra Papel e Tesoura é uma das duas músicas de Lucas Vasconcellos que escolhi para compor esse álbum. Escolhi porque achei a música linda e também porque achei que seria ótima para representar aqui a infância de Maria Bonita. Maria teve uma infância e juventude igual a de outras meninas de sua época e região. Brincou das mesmas brincadeiras quando criança e seguiu os mesmos passos das outras moças, tendo que se casar quando atingiu a maturidade, mesmo que o casamento não fosse por amor.

Música e letra: Lucas Vasconcellos / Arranjo: Lucas Vasconcellos / Produção: Lucas Vasconcellos / Mixagem e Masterização: Emygdio Costa / Voz e castanholas: Letícia Persiles / Violões, baixo elétrico, percussão, guitarras, órgão elétrico e sintetizador: Lucas Vasconcellos

Faixa 4: No altar

Essa faixa é uma regravação dessa minha música que compus para outro projeto, o Cabaré do Xote Moderno. Aqui ela representa a chegada do Amor na vida de Maria. Sim, existiu Amor no Cangaço. Quando Maria conheceu Lampião, ela estava na casa dos pais, mas  já era casada com um primo seu, o sapateiro  Zé de Neném. O casamento era arranjado e Maria vivia às brigas com o esposo e por isso com frequência fugia de casa para a fazenda dos pais. Porém ao se conhecerem Maria e Lampião se apaixonaram um pelo outro e assim ela deixou Zé de Neném para trás para ir viver ao lado do homem que amava. Diferentemente de algumas cangaceiras que entraram depois para o Cangaço por terem sido raptadas ou roubadas de suas famílias, Maria entrou por vontade própria e viveu a maior história de amor desse movimento.

Musica e letra: Letícia Persiles / Arranjo: Lucas Vasconcellos / Produção: Lucas Vasconcellos / Mixagem e Masterização: Emygdio Costa / Voz  Letícia: Persiles / Escaleta, violão, bateria, baixo acústico e guitarra: Lucas Vasconcellos

Faixa 5: Boca de mar

Boca de Mar foi a primeira música escrita para esse álbum e também o primeiro single lançado. É uma música sobre o amor físico entre duas pessoas, sobre o prazer que pode se dar e receber de alguém que se ama. Continuando a história de Maria, eu volto a afirmar que se existiu um amor verdadeiro no Cangaço, esse amor foi o de Maria e Lampião. 

Musica e letra: Letícia Persiles / Arranjo: Lucas Vasconcellos / Produção: Lucas Vasconcellos / Mixagem e Masterização: Emygdio Costa / Voz: Letícia Persiles / Trompete: João Lenhari / Bateria eletrônica , Guitarra, Violão, sintetizador, trompete, baixo elétrico e órgão elétrico: Lucas Vasconcellos

Faixa 6: Japu

Japu é um pássaro que admiro desde criança. Na verdade eu sempre gostei de pássaros em geral, mas tenho alguns preferidos, o Japu é um. Lembro da primeira vez que vi e ouvi um bando de Japus. A  música que eles faziam era totalmente inesperada e o comportamento nada discreto deles, voando e cantando em volta dos seus ninhos que são de uma arquitetura nada convencional também, dava a impressão de que eles eram seres mágicos, encantados mesmo. Depois pesquisando, aprendi que existem diferentes aves de uma mesma família que são chamadas de Japu, pelo território do Brasil. Uma delas é a personagem principal de uma lenda Tupi, que conta que um forte guerreiro transformado em pássaro, foi até o céu buscar o fogo de um raio de trovão e o trouxe para a terra. Por essa ligação folclórica com o fogo e a guerra  Japu está presente nessa música, que fala sobre o caráter de revolta popular que tem o movimento do Cangaço e sobre os tantos combates que aconteceram entre os cangaceiros e os macacos, a polícia volante do sertão. Conta-se que uma vez Maria foi baleada durante um desses confrontos e que para não morrer, Lampião precisou carregá-la com ajuda de outros cangaceiros por dentro da caatinga durante noite escura até chegar a uma cidade onde ela pode receber cuidados médicos.

Música e letra: Letícia Persiles / Arranjo: Lucas Vasconcellos / Produção: Lucas Vasconcellos / Mixagem e Masterização: Emygdio Costa / Voz e backing vocal: Letícia Persiles / Bateria eletrônica, órgão elétrico, baixo elétrico, piano elétrico e backing vocal: Lucas Vasconcellos / Percussão: Thomas Arraes / Flauta transversa e pífano: João Gabriel Gomes / Pífano: Julius Cesar Patrício

Faixa 7: Lídia

Essa faixa é a narração de um trecho adaptado do capítulo “A Presença Feminina no Cangaço” do livro “Maria Bonita” de Antônio Amaury Corrêa de Araújo, acompanhada pelo piano de Lucas Vasconcellos. Quando li esse livro fiquei muito emocionada ao ler esse capítulo, que descreve as camadas de roupas, acessórios, armas, remédios e alimentos carregados no corpo pelas cangaceiras. O peso que esses corpos aguentaram durante sua trajetória é quase inimaginável para muitos de nós hoje. Apesar de não terem as obrigações que outras mulheres tinham em relação aos trabalhos domésticos como lavar e cozinhar, pois esse era um serviço feito pelos homens no cangaço, e de terem a liberdade para usar perfumes, maquiagem e jóias, as cangaceiras ainda eram vistas como  propriedade pelos seus companheiros. Não tinham também a chance de criar os próprios filhos. Quando engravidavam e pariam, os bebês que sobreviviam eram entregues a outras famílias para que lá vivessem. Muitas foram as violências que essas mulheres sofreram. Essa faixa tem esse nome, Lídia, porque esse era o nome da cangaceira companheira de Zé Baiano, a mulher que dizem ter sido a mais bela cangaceira de todas e que sofreu o feminicídio mais famoso da história do Cangaço. Segundo alguns pesquisadores, Lídia entrou no cangaço por vontade própria e que Zé Baiano a tratava com muito carinho e ternura, lhe dando até comida na boca e reservando para ela os melhores pedaços de  carne do prato. Porém quando esta lhe confessou que havia se apaixonado e se relacionado com outro cangaceiro, o Bem-te-Vi, do bando de Corisco, foi brutalmente torturada e morta por Zé Baiano. 

Essa Faixa também conta com a participação preciosa da multiartista sertaneja Edzita Sigo Viva. Edzita é Comunicadora Social e Mestre em Ciências Sociais, com pesquisa em arte têxtil, feminismos, saberes ancestrais, escrita poética e muito mais… além de ser bordadeira , costureira e ter uma trajetória de trabalhos que investigam desdobramentos político-corporais em torno da menstruação.

Texto: Antônio Amaury Corrêa de Araújo / Musica: Lucas Vasconcellos / Arranjo: Lucas Vasconcellos / Produção: Lucas Vasconcellos / Mixagem e Masterização: Emygdio Costa / Narração: Letícia Persiles e Edzita Sigo Viva / Piano: Lucas Vasconcellos

Faixa 8: Caravana

Penúltima faixa do álbum, uma regravação de Caravana, essa música linda de Alceu Valença e Geraldo Azevedo. A essa altura, já estamos no final da história, uma história curta com certeza, afinal, Maria viveu somente até os seus 27 anos de idade e é apenas por conta dos últimos 8 anos de vida, os anos que viveu no Cangaço, que sua trajetória ficou para a história. Caravana me remete muito ao universo do cangaço, desses ciganos por natureza, que correram o sertão em suas caravanas revoltosas, sem medo de contrariar todo o sistema político e social da sua época. As velas da Luzitânia, num cais na beira do São Francisco  já deviam dizer que a vida é pedra de gelo ao sol e os cangaceiros escutando, corriam, sem parar,  junto com ela.

Musica e letra: Geraldo Azevedo e Alceu Valença / Arranjo: Lucas Vasconcellos / Produção: Lucas Vasconcellos / Mixagem e Masterização: Emygdio Costa / Voz e backing vocal: Letícia Persiles / Violão , guitarra, baixo elétrico, bateria, piano, trompete e backing vocal: Lucas Vasconcellos

Faixa 9: Shine

Sempre neguei a idéia de gravar uma música em inglês, mas quando Lucas me mostrou essa composição dele, eu mudei de idéia. Achei a música linda, com uma atmosfera que tinha muito a ver com o que eu buscava e quis que ela fizesse parte do projeto. Bom, ela é a última faixa do álbum, um álbum que de alguma forma conta a história de Maria Bonita e o fim dessa história, todos nós conhecemos. Ela acaba com o massacre de Angicos onde 11 cangaceiros foram mortos, incluindo Maria. Mas eu não queria que esse disco terminasse assim, com sua morte. Quero termine com sua memória viva, e de todas as cangaceiras,  para que não sejam lembradas somente como companheiras e amantes, mas como protagonistas da suas histórias, da história do cangaço, que foi profundamente modificado com a participação delas. Assim, com essa última música, escolhi terminar o disco com algo novo pra mim, uma novidade,  uma música em inglês, que eu canto para essa cangaceira, com espírito de Andorinha, que é pra mim símbolo de força, revolta e resistência feminina.

Música e letra: Lucas Vasconcellos / Arranjo: Lucas Vasconcellos / Produção: Lucas Vasconcellos / Mixagem e Masterização: Emygdio Costa / Voz: Letícia Persiles / Violão , slide guitar,  baixo elétrico, bateria, piano e sintetizadores:  Lucas Vasconcellos

Que viagem linda né? Arte sempre nos salvando e nos transportanto para lugares belíssimos através de imagens, histórias como estas, cantadas e encantadas pela voz perfeita da Letícia Persiles. Espero que tenham curtido tanto quanto eu.

Abração,

Cristiano De Jesus

Cristiano de Jesus

Eu, comunicador e sonhador, filho da Dona Rosa e do Sr. João que, enquanto admiro às belezas da vida, ouço boas histórias e muitas músicas para criar a minha própria trilha sonora.

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